domingo, 25 de agosto de 2013

MUITO ALÉM DA FELICIDADE


[...] há coisas mais importantes na vida que ser feliz. Existem um sentido mais amplo e um propósito maior que deveriam ser o objetivo de nossa vida. Em poucas palavras, fomos criados para mais que a felicidade. [...] Se a vida se resumir a felicidade, então coisas como disciplina, sacrifício e que tais são más em si mesmas ou, pelo menos, sem sentido. (MORELAND, 2011, p. 30)




         Quando comecei a pensar sobre o conteúdo deste breve texto, achei pertinente começar com esta reflexão de J. P. Moreland acerca da felicidade. E a pertinência do que Moreland propõe reside na necessidade urgente de lembrar elementos da raiz do cristianismo e como foram manifestos a nós.

           Percebe-se no cerne da Igreja um contingente crescente de pessoas que estruturam seu entendimento acerca da fé cristã, e consequentemente, sua vida, segundo uma visão distorcida, senão, contaminada quanto ao Evangelho e as implicações que traz para nossa existência. E creio que essa distorção ou contaminação decorre de um evangelicalismo no qual a compreensão da Palavra de Deus procede de uma interpretação equivocada, afetada ora por conceitos individualistas, hedonistas e humanizados (próprios de uma ética mercantilista e de uma cosmovisão pós-moderna), ora imersa em uma cultura medieval, cheia de radicalismos, superstições e plena de teologismos que mutilam a consciência das pessoas, conduzindo-lhes a uma espiritualidade desequilibrada e inconsistente. 
          Na realidade, o que acontece é que as pessoas, oriundas de uma sociedade doente, chegam às igreja em busca de cura. Elas são oriundas de uma cultura descrita por Eugene Peterson como "uma cultura secular [...] circunscrita à coisa e à função" (2009, p. 49). De acordo com Peterson:
        
Normalmente, desde o começo, as pessoas ficam encantadas de se acharem vivendo numa cultura assim. É maravilhoso ter todas essas coisas vindo em nossa direção, sem termos de nos preocupar com sua natureza ou seu propósito. E é maravilhoso ter essa incrível liberdade de fazer tanta coisa, sem nos preocuparmos com relacionamentos ou significado. Mas, depois de alguns anos experimentando isso, nosso encanto arrefece à medida que nos descobrimos solitários em meio às coisas e entediados com nossa liberdade. Nossa primeira resposta é obter mais daquilo que nos deu prazer no primeiro lugar: adquirir mais coisas, gerar mais atividade. Obter mais. Fazer mais. Depois de alguns anos nisso, ficamos inegavelmente aturdidos com o fato de não termos melhorado em nada. (ibid)



Nesse estágio, o indivíduo começa a buscar uma felicidade que o “ter” e o “fazer” não foram capazes de proporcionar-lhe, porque esta não é uma questão puramente material, porém de ordem espiritual. É nesse ponto que as pessoas procuram a Igreja, com suas decepções, mágoas, fracassos e toda sorte de doenças espirituais. Contudo a fragilidade teológico-doutrinária que tem alcançado a Igreja contemporânea é de tal monta, que o processo acontece de forma inversa: em lugar do Evangelho mudar os homens, os homens é que tem mudado o Evangelho. E como resultado dessa inversão verifica-se, principalmente, a busca por uma felicidade terrena, sustentada no sentido do quantitativo, pelo propósito do “ter”, pela prática do ativismo, pela ideia de poder e movimento, em detrimento da visão de eternidade celestial, que envolve o qualitativo, o “ser”, o exercício ministerial vocacionado, a ideias de santidade e de comunhão. A prova disso é o número de crentes que vivem nos cultos e trabalhos de oração “buscando sua benção”, enquanto a ordem estabelecida nas Escrituras Sagradas é ofertar (Ex 23.15; 34.20; 1 Pe 2.5).

          Há, ainda, um número considerável de líderes evangélicos que mensuram o sucesso da ação da igreja através do número de decisões ou de batismos com o Espírito Santo, sem considerar se essas vidas estão sendo verdadeiramente edificadas, se permanecem firmes na sã doutrina, se estão conscientes de relevância quanto ao seu testemunho, se mantêm um relacionamento com o Senhor.

          A superficialidade com que se lida com o Evangelho, que passou a funcionar para muitos unicamente como um rótulo, ou ainda, como uma “fórmula mágica” para os problemas cotidianos, tem provocado um número incalculável de feridos, mancos e defuntos espirituais. Estes, “decepcionados com a graça”, quando não se desigrejam (e peço perdão pelo neologismo), murmuram contra o pastor, os irmãos, o sistema eclesiástico ou vivem “inventando” trabalhos, métodos e outras coisas que em nada contribuem para sua própria edificação e para a obra de Deus. Trata-se de um numeroso contingente de crentes portadores de sérias enfermidades espirituais, os quais apresentam como algumas de suas marcas mais evidentes, a insatisfação, o desânimo espiritual, a falta de fé, o ativismo e, em muitos casos, o descompromisso.

         Creio que dois dos principais agentes causadores dessas enfermidades residem no liberalismo com que certas questões fundamentais ao Cristianismo têm sido tratadas, e na descentralização de Deus no que se refere à espiritualidade do homem, contribuindo para uma profusão de doutrinas que possibilitam ao homem um crer segundo suas conveniências e necessidades de momento. É, mais ou menos, a história de cada um ter o deus que quer ter, segundo seu ideário e conforto, diferentemente da proposta bíblica da submissão, da obediência, do temor e da reverência.

      A proposição do Evangelho apresenta-nos uma vida que transcende as perspectivas meramente humanas e temporais, todavia, revestida de um padrão de excelência divino e com foco na eternidade. Sua mensagem confronta nossas posições, nossa maneira de viver e questiona nossas motivações, o que, via de regra, é profundamente incômodo, pois choca contra nossa natureza e nossos interesses. Enquanto buscamos a felicidade, o conforto, a inserção, a paz com o mundo, o Evangelho nos oferece sacrifício, confronto, diferença, isto é, posturas que sempre buscamos evitar e que, à primeira vista, são inconvenientes.

         Responder positivamente ao chamado da graça divina, tem suas implicações: importa em renunciar a si mesmo, tomar a sua cruz e seguir ao Senhor (Mt 16.24). Estas são atitudes que não podem ser tomadas em separado, se quisermos alcançar “o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (Fp 3.14) e exigirão de nós o desenvolvimento e o exercício de algumas qualidades em nossa vida espiritual.

       Precisaremos de disciplina, que se reflete no domínio de nossos desejos, emoções, palavras e apetites, bem como, na assiduidade na oração e no estudo da Palavra.

       Exigirá de nós submissão, um estado que nos coloca, de forma totalmente confiante, sob a inteira dependência da direção e do agir de Deus

       Haverá necessidade de sacrifício, que demonstra nossa disposição em renunciar nosso conforto, nossa vontade, nossos propósitos e planos, em favor dos projetos divinos.

        Deveremos investir em perseverança, que não pode ser confundida com tola teimosia humana, porém representa uma fé consistente, que semeia com paciência e trabalho dedicado, frutos que glorificam ao Senhor.

       Careceremos de compromisso e desprendimento, qualidades que nos fortalecerão para enfrentar os desafios e nos capacitam a sofrer por amor à obra de Deus.

        Vê-se que a proposta do Evangelho, mais do que felicidade, é um convite a sermos participantes das aflições de Cristo, com a esperança do regozijo e alegria na revelação da sua glória (1Pe 4.12,13). E isso confirma o que o salmista expressou em Salmos 126.5,6 “os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos.”

        A felicidade é circunstancial, momentânea e tem relação com nossos sentidos e emoções, pois está intimamente ligada à sensação de bem-estar e daquilo que nos é agradável, logo é afeta à nossa humanidade.  A alegria, entretanto, é parte do fruto do Espírito (Gl 5.22), resultante de uma vida pautada na Palavra, de comunhão com o Senhor, isto é, a alegria está centrada em Cristo, ou seja, é cristocêntrica. Não depende das circunstâncias exteriores mas decorre da consciência que temos sobre nossa posição diante de Deus, em Cristo Jesus (Gl 3.26), da comunhão que mantemos com Ele (1 Co 1.9), de sermos alvos incondicionais de seu amor (Rm 8.38,39) e de contarmos com sua companhia e ajuda permanentemente (Mt 28.20).

       Enfim, o Evangelho remete à cruz, um cenário, à primeira vista, de sangue, sofrimento e dor, contudo, um portal que conduz à graça e ao esplendor de uma vida eterna com Deus. Assim, precisamos refletir que Evangelho queremos seguir, e decidir se queremos ser apenas felizes ou gozar a alegria do céu.
 


REFERÊNCIAS



MORELAND, J. P. O triângulo do reino: restabelecendo a mente cristã, renovando a alma, restaurando o poder do Espírito. Tradução Jurandy Bravo. São Paulo: Editora Vida, 2011.

PETERSON, Eugene H. Espiritualidade subversiva. Tradução Fabiani Medeiros. São Paulo: Mundo Cristão, 2009.

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