Se observarmos a postura e o
discurso de muitos líderes evangélicos na atualidade, perceberemos que, em sua
maioria, mais se assemelham a empresários, investidores no nicho religioso do
mercado, do que propriamente, pastores aos quais foi comissionado cuidar de um
rebanho que sequer lhe pertence.
Sua
preocupação com a administração de bens e recursos excede em muito o desvelo
que deveriam ter com as ovelhas de sua comunidade, com a oração e com a
Palavra. O marketing midiático, voltado à promoção de suas igrejas e das
reuniões públicas nas quais estão presentes, alardeia milagres e sinais, como
um “show místico”, onde o foco mais evidente é a solução de problemas pessoais e
não a transformação da alma.
Seus discursos
quase hipnóticos, recendem à sugestão psicológica, onde um amontoado de jargões
extraídos de forma distorcida das Escrituras Sagradas formatam um cristianismo
de auto-ajuda, totalmente desfocado da mensagem de Jesus Cristo e dos
apóstolos. Mesmo os mais bem-intencionados têm caído na armadilha do
crescimento quantitativo, do expansionismo infundado, das megaconstruções e
eventos, sem atentar para a qualidade do que se produz.
Nunca se viu
um número tão elevado de seminários, cursos, palestras e publicações voltados
ao desenvolvimento de estratégias, liderança corporativa eclesiástica,
crescimento de igreja e temáticas outras, que mais parecem saídas do currículo
de um curso acadêmico voltado para a área gerencial.
Não é
propósito desse texto despir a administração eclesiástica de seu devido valor,
entretanto, provocar uma reflexão sobre a crise de espiritualidade que aflige
boa parcela da liderança evangélica, mais preocupada com a conquista de espaço
no “mercado da fé”, com a visibilidade de sua denominação e com a concorrência
de outras igrejas cristãs, do que com a expansão e fortalecimento do Reino de Deus
entre os homens. E nesse sentido, há uma disputa brutal, movida pela soberba
dos homens, pela ganância desenfreada e pela falta de temor, onde muitos já não
consideram os crentes de outras comunidades como irmãos porém, como “primos”,
ainda que professem a fé no mesmo Jesus, leiam a mesma Bíblia e anunciem de
igual forma a Salvação em Cristo.
A ética que
rege a vida e as ações de muitos desses líderes é, não raro, pior do que aquela
estabelecida no meio empresarial, onde um capitalismo selvagem estimula,
constantemente, um comportamento moral duvidoso, cheio de trapaças, acordos às
escondidas, corrupção e diversas outras atitudes antibíblicas. Seus valores e
conceitos, fundam-se meramente em autopromoção, reconhecimento público e prosperidade
material, contrariando por completo a visão
apresentada pelo Senhor Jesus durante seu ministério terreno.
Há nesse tipo
de comportamento uma clara negação da postura adotada por Jesus durante o
episódio da tentação no deserto, relatado no capítulo 4 do Evangelho segundo
Mateus, quando Satanás apresenta-lhe três propostas: transformar pedras em
pães, saltar do pináculo do templo e adorá-lo em troca da glória das nações.
Essa passagem é
por demais relevante para a vida de um cristão, pois não se restringe a
apresentar Jesus como um Salvador plenamente capaz de cumprir sua missão, o
qual, como homem, foi tentado e venceu a tentação. Todavia, cada um dos
momentos em que Satanás se apresenta diante do Senhor com uma proposta que
visava claramente desviá-lo do propósito divino, podemos encontrar a
representação de três dos maiores desafios na vida espiritual do crente, em
especial daquele que exerce funções de liderança.
Ao propor que
Jesus transformasse pedras em pão quando sentiu fome, a ideia do Diabo
centrava-se em priorizar a satisfação dos apetites naturais, isto é, em lugar
de sacrifício, de negação a si mesmo, a busca por satisfazer nossas
necessidades e desejos pessoais. Isso contrariava a ideia de que a essência da verdadeira
vida, não reside nas posses materiais, mas naquilo que alimenta o espírito e
que é proveniente de Deus.
Um líder
jamais conseguirá manter vivo e saudável o rebanho que lhe foi confiado, se sua
busca reduzir-se exclusivamente à quantidade de membros, ao patrimônio material
e financeiro de sua igreja. Ele precisa buscar na fonte, pela oração, pela leitura
e estudo contínuo da Palavra, pastos verdejantes e águas tranquilas, primeiro
para si e depois para as ovelhas. É isso que dá vida real ao rebanho e é isso
que as ovelhas esperam do pastor (Sl 23.1,2).
A segunda
proposta do Diabo ao Senhor Jesus foi saltar do ponto mais alto do templo em
Jerusalém, confiando na promessa em Salmos 91.11,12, de que os anjos o
guardariam de qualquer mal. Assim, imaginemos que esse fato ocorresse e que
Jesus descesse levemente, pairando no ar até tocar o solo. A questão era a
tentação de chamar a atenção sobre si, através de um prodígio excepcional,
desviando a atenção do foco principal do ministério de Jesus: a mensagem que
Ele trazia consigo e que, segundo Ele mesmo disse, não era sua, mas daquele que
o enviara (Jo 7.16).
Se o ensino e
o testemunho pessoal de um líder não forem compatíveis com as Escrituras, se a
mensagem que sai do púlpito não for proveniente do Espírito e, consequentemente, não oferecer
transformação de vida interior às pessoas, conduzindo à santidade e ao serviço
para o Reino, os sinais não passarão de manifestações de poder infrutíferas.
Esse tipo de reunião assemelha-se aos espetáculos ofertados por ilusionistas.
A terceira e
última tentação apresentada por Satanás foi oferecer a glória das nações em
troca da adoração de Jesus, um fato que, tristemente, tem se materializado na
vida de um considerável número de pastores. Deixam-se vencer pelos acordos
políticos, empenhando as ovelhas do Senhor como moeda de troca por favores
financeiros, cargos em repartições e facilidades na realização de seus
projetos. Outros, buscando a notoriedade, a glória passageira do mundo, o
reconhecimento público, inserem inclusive heresias no cerne de suas pregações,
negociam as boas práticas e a postura moral de sua comunidade, pelo apoio de “patrocinadores”,
muitas vezes descompromissados com a causa do Evangelho de Cristo. A busca,
insisto, é pela glória pessoal, pelo nome em outdoors e letreiros luminosos, satisfazendo uma febre
incontrolável por fama e glória. São capazes de passar por cima de tudo e de
todos por um pouco de exaltação e percebe-se claramente, o culto à
personalidade, que alimentam junto ao rebanho que lideram.
O ministério
de um líder deve pautar-se entre outros princípios naquilo que está expresso pelo
apóstolo Paulo em Filipenses 2.3,4, quando somos exortados à humildade e a não nos
ocupar unicamente com nossos interesses, contudo com os outros. E Paulo, logo
em seguida, nos versículos 5 a 8 do mesmo capítulo, faz referência ao exemplo
do Senhor Jesus que, mesmo sendo Deus, não arrogou seus direitos como tal e anulando
a si mesmo e humilhou-se ao ponto de oferecer-se em sacrifício na cruz.
O verdadeiro líder
não pode e não deve esquecer que sem o Senhor, nada podemos fazer (Jo 15.5) e que
o que importa é que Ele cresça e que nós diminuamos.
Esse quadro desolável
que tem alcançado diversos ministérios, só poderá ser mudado a partir de uma
iniciativa de pastores e líderes conscientes, piedosos, comprometidos com o
Reino de Deus, dispostos a marchar contra a correnteza, inclusive com
sacrifício pessoal, para que a igreja seja preservada dos “lobos ministeriais”
e do adoecimento do rebanho e das novas gerações de obreiros.
Nessa ótica,
entendemos que há dois caminhos fundamentais para que possamos ter uma
liderança firme, constante e abundante na obra do Senhor (1 Co 15.58), em
conformidade com o que está estabelecido na Bíblia Sagrada. O primeiro consiste
em cada pastor, dentro de suas respectivas comunidades, buscar uma volta a três
princípios essenciais para a restauração espiritual da Igreja: Unidade (de princípios,
práticas e propósitos); Adoração (entrega pessoal, fidelidade, zelo no serviço
e contribuição) e Edificação (louvor, oração e ensino bíblico).
O segundo
caminho implica no discipulado de novas lideranças, através do trabalho de
mentoria, já a partir da mocidade da igreja:
. pelo
reconhecimento dos talentos individuais, procurando respeitá-los, investindo
neles e atentando para seu aproveitamento no trabalho eclesiástico;
. pelo
investimento na formação bíblico-teológica dos quadros de obreiros;
. pelo
trabalho de acompanhamento do testemunho e de desempenho eclesiástico de cada
obreiro, conjuntamente à prática do aconselhamento ministerial, familiar e
pessoal; e
. pelo
estímulo ao crescimento espiritual permanente.
Temos a convicção
que se observados essas duas estratégias no contexto das comunidades evangélicas,
teremos a oportunidade de contemplar o surgimento de homens e mulheres movidos
pelo mesmo espírito de Neemias, dispostos a reconstrução dos muros da
integridade e uma igreja mais saudável,
pronta para refletir ao mundo a vida abundante que Jesus nos oferece.
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